AO JUÍZO DA 40ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE JUIZ DE FORA/MG.
MARIA,
já qualificada, por seu advogado que esta assina eletronicamente, conforme
instrumento de mandato de id. 9652004725 que comprova a regularidade
da representação processual, inconformada com a r. sentença de que julgou
improcedente os pedidos, vem da mesma interpor RECURSO DE APELAÇÃO
para o E. TJMG, mediante o oferecimento das razões recursais anexas.
Conforme se verifica da “aba” expedientes, a data limite para a manifestação da autora é 22.08.2024. Com a interposição do recurso no dia de hoje, 22.08.2024, último dia do prazo, é ele TEMPESTIVO.
(DA CONCESSÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA E DA DISPENSA DO PREPARO RECURSAL – ART. 98, §1º, VIII, DO CPC)
Pelo despacho
de id. 9681368391, foi deferido o benefício da gratuidade da justiça à
autora/apelante, sendo tal concessão ratificada na sentença recorrida de id. 10204402102.
Assim, tendo em vista a concessão do referido benefício, nos termos do artigo 98, §1º, VIII, do CPC, a apelante está dispensada do preparo deste recurso.
Juiz de Fora, MG, 22 de agosto de 2024.
Advogado - OAB/MG nº
EGRÉGIO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RAZÕES DO RECURSO DE
APELAÇÃO
Colenda
Câmara,
A r. sentença de id. id. 9652004725 deve ser cassada, uma vez que a MM. Juíza a quo ao prolatá-la não observou o direito e a jurisprudência aplicáveis ao presente caso, conforme será demonstrado a seguir.
1. DA SENTENÇA RECORRIDA
Pela sentença recorrida, a MM. Juíza julgou improcedente os pedidos, pelo seguinte fundamento:
Sem razão a MM. Juíza a quo, que inobservou a legislação vigente quando da adoção simples por escritura pública, a legislação atual e o entendimento dos tribunais, conforme a seguir será demonstrado.
2. RESUMO DOS FATOS QUE ENSEJARAM A
PROPOSITURA DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM
A apelante é fruto de um rápido relacionamento amoroso entre o Sr. DIRCEU e a Sra. ÂNGELA, seus pais biológicos.
O Sr. DIRCEU, ao ser informado da gravidez pela Sra. ANGÊLA, disse que não reconheceria como sua filha a criança que iria nascer, revelando que era casado e já possuía outros filhos, ora réus.
Apesar de todo descaso e insensibilidade do Sr. DIRCEU, a Sra. ÂNGELA prosseguiu com a gestação e, tão logo a autora nasceu, foi dada em adoção para os Srs. JOSÉ e NEUZA, que a registraram como filha.
Posteriormente, ao completar 18 anos de idade, a apelante conseguiu localizar a sua mãe biológica que lhe contou toda a história, sem dar qualquer informação sobre o pai biológico.
No final do ano de 2020, com a ajuda dos “familiares maternos biológicos”, a apelante conseguiu o endereço de seu pai biológico nesta cidade de Juiz de Fora/MG, e depois de muita hesitação e receio de ser rejeitada, na Páscoa de 2021 se dirigiu ao endereço residencial de seu pai, mas não o encontrou, deixando o número de seu telefone com uma vizinha para que o repassasse para ele – DIRCEU.
No mesmo dia o Sr. DIRCEU telefonou para a apelante, e marcaram um encontro para o dia seguinte, que foi registrado por fotografias (id. 9651988407).
Ocorreram mais dois encontros entre eles, e foram mantidas várias conversas telefônicas, nas quais o Sr. DIRCEU disse que realizaria o exame de DNA para reconhecer a apelante como sua filha, pois sabia da sua existência e estava arrependido por não a ter procurado e tentado uma aproximação com ela.
Acontece que alguns dias depois do último encontro, em 12.05.2021, o Sr. DIRCEU faleceu por COVID-19 (id. 9651996098), o que impossibilitou a apelante de um convívio maior e mais intenso com seu pai biológico, além da realização do exame de DNA para a comprovação do vínculo entre eles.
Esses são os fatos ensejadores da propositura da ação que objetivou o reconhecimento da paternidade de seu pai biológico, mas que foi frustrado pela sentença recorrida.
3. DAS RAZÕES PARA
A CASSAÇÃO DA SENTENÇA
3.1. DO DIREITO DA
APELANTE AO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE EM RELAÇÃO AO SEU PAI BIOLÓGICO
Os documentos juntados com a inicial, em especial, o cartão de nascimento (id. 9652008375), a escritura pública de adoção (id. 9652002348) e a certidão de nascimento (id. 9652000933), demonstram que a apelante foi dada em adoção que foi formalizada em 17.06.1985, antes mesmo de completar 02 meses de idade.
Tal adoção simples realizada junto ao cartório por meio de escritura pública (id. 9652002348), de natureza contratual, aconteceu na vigência do Código Civil de 1916, e de acordo com o art. 368 e seguintes. Eis um trecho da escritura:
Importante transcrever o art. 378 do código revogado, vigente à época da adoção:
“Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.” (grifei)
O ordenamento jurídico ao tempo em que foi realizada a adoção simples por meio de escritura pública, estabelecia que o parentesco resultante da adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, sendo preservados os vínculos do adotado com a sua família biológica.
Tais fatos não foram observados pela MM. Juíza a quo, quais sejam, a data da adoção e a legislação vigente ao tempo em que foi formalizado o ato por escritura pública.
Os documentos comprobatórios da adoção em cartório foram juntados aos autos e não foram observados na sua integralidade quando da análise do caso e prolação da sentença.
A
legislação posterior (CCB e ECA) não pode ser aplicada apenas para restringir o
direito da apelante na busca de sua identidade genética, ainda mais que a
adoção simples ocorreu na vigência do Código Civil de 1916, devendo ser
considerada como ato jurídico perfeito, e respeitadas as suas consequências
jurídicas, diga-se, a preservação dos vínculos do adotado com a sua família
biológica.
Reforçando a tese acima, o art. 2.035 do atual CCB estabelece:
“A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.” (grifei)
Desta forma, levando-se em consideração que a adoção da apelante ocorreu na vigência do Código Civil de 1916, a sua validade e seus efeitos jurídicos devem ser respeitados, pois, repita-se, é um ato jurídico perfeito.
Dito isto, em complemento, a pretensão da apelante em ver reconhecida a paternidade de seu pai biológico e a consequente inclusão do nome dele e dos avós paternos em seu assento de nascimento encontra-se amparada nos arts. 1.606, 1.607, 1.609, IV, 1.616, todos do atual CCB.
Frise-se que o Supremo Tribunal Federal, ao conceder repercussão geral ao tema nº 622, no julgamento do RE 898060/SC, entendeu que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios.”
A referida decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 898060/SC, trouxe para os filhos biológicos o direito de acumular no registro civil os dois pais – e/ou mães –, sem que haja a necessidade de anulação do registro anterior, ou seja, àquele que detém à multiparentalidade não precisa escolher qual pai irá constar no registro, nem abdicar do pai socioafetivo em detrimento do pai biológico.
Não é diferente o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no AgInt no REsp n. 1.738.888/PE, julgado em 23.10.2018, de que: “o registro efetuado pelo pai afetivo não impede a busca pelo reconhecimento registral também do pai biológico, cujo reconhecimento do vínculo de filiação, com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, é seu consectário lógico."
Outro julgamento paradigmático do Superior Tribunal de Justiça foi o realizado no AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1607056/SP, julgado em 24.10.2019, no qual ficou assentado: “Inexiste qualquer impedimento para o reconhecimento da multiparentalidade, sob pena de punir o filho em detrimento do descaso de seu pai biológico por anos a fio. Se este não pode ser compelido a tratar o autor como filho, deve ao menos arcar financeiramente com a paternidade responsável em relação à prole que gerou.”
No presente caso, a apelante que foi adotada por escritura pública, tem o direito ao reconhecimento da paternidade de seu pai biológico, e a inclusão dos respectivos dados em seu assento de nascimento.
Seguindo o entendimento do E.STF, assim vem decidindo o E. TJMG:
“APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO
DE FAMÍLIA - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM - ALEGAÇÃO DE
NULIDADE DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DO PAI ADOTIVO NA AÇÃO - PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA - IMPEDIMENTO A BUSCA DA PATERNIDADE BIOLÓGICA - NÃO CABIMENTO
- DIREITO QUE NÃO SE MUDA COM A MANIFESTAÇÃO DA PARTE - PATERNIDADE
BIOLOGICA - DIREITO AO CONHECIMENTO DA IDENTIDADE GENÉTICA - PRECEDENTES DO STJ
- RE 898.860 - STF - REPERCUSSÃO GERAL - RECONHECIMENTO INCLUSIVE DOS DIREITOS
PATRIMONIAIS - INTERESSE EXCLUSIVO DO ADVOGADO DA PARTE - ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA GRATUITA - DIREITO PERSONALÍSSIMO QUE NÃO SE ESTENDE AO PROCURADOR -
INTIMAÇÃO PARA PREPARO - EFETIVAÇÃO - PRELIMINAR - DESERÇÃO - NÃO CABIMENTO. -
Não há que se falar em nulidade do título judicial por não constar demandado na
ação o pai adotivo, tendo em vista que a sua participação não poderia alterar a
verdade dos fatos, ou seja, que é apenas adotante da autora e que seu filho é o
pai biológico. - O advogado não pode se valer da justiça gratuita concedida
ao seu cliente para fins de não recolhimento do preparo da apelação que versa
sobre interesse exclusivo dele. - Uma vez efetuado o preparo da peça recursal,
deve-se dela conhecer, tendo em vista preencher além deste os demais requisitos
de admissibilidade. - Os honorários advocatícios sucumbenciais serão fixados de
acordo com o art.85, §2º, do CPC, entretanto, acaso o magistrado percebe que o
valor da causa foi ínfimo ou irrisório, não existe porque não se possa fixar
por equidade nos termos do art.85, §8º, do mesmo Codex, - A existência de
paternidade afetiva não impede a busca e o reconhecimento pela paternidade
biológica, pois toda pessoa tem direito a saber a sua identidade genética, em
observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Carta
Magna. - Segundo Tema firmado pelo STF no RE 898060: "A paternidade
socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento
do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos
jurídicos próprios". - Nem mesmo a situação patrimonial advinda do
reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco serve como argumento para se
negar o direito de reconhecimento de filiação. (TJMG - Apelação
Cível 1.0000.21.122049-6/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Santiago, 8ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 23/09/2021, publicação da súmula em 23/09/2021) (grifei)
Importante
registrar que em situação semelhante foi admitido o registro do nome do pai biológico
no assento de nascimento de pessoa adotada, sendo tal decisão foi noticiada no
site do TJMG na data de 21.11.2018, na qual o relator do recurso, o Desembargador
Gilson Lemes, entende que a “pluriparentalidade atende a anseio de
construção de identidade.”
Eis alguns trechos da matéria:
“Fundamento
O relator,
desembargador Gilson Soares Lemes, examinou o caso e determinou a inclusão, no registro
de nascimento do autor, do nome do pai biológico, sem prejuízo da manutenção
dos nomes dos pais adotivos no mesmo registro, e o acréscimo do patronímico do
pai biológico ao do autor, também sem prejuízo da manutenção dos nomes dos pais
adotivos e dos avós paternos.
O magistrado afirmou
que a Constituição Federal de 1988 trouxe “uma verdadeira revolução” no campo
do Direito de Família, com novas formas de organização familiar e novas
interpretações dos institutos do Direito Civil. Diante disso, ponderou que, no
seu entender, não há, nesse caso específico, posicionamento correto ou
incorreto, mas “uma decisão em consonância ao direito infraconstitucional e aos
ditames da Constituição Federal”.
De acordo com o
relator, a pretensão dos autores esbarra no direito à busca da felicidade, pois
a definição satisfatória da identidade genética e o reconhecimento do estado de
filiação são questões ligadas a esse princípio constitucional. A filiação baseada
na origem biológica gera direitos civis, de natureza patrimonial e
extrapatrimonial, mas, no caso, deve-se ter em conta primeiramente os
interesses do adotando, não dos pais biológicos.”
Pelo fato da ação tramitar em segredo de justiça, não foram informados os nomes das partes e o número do processo. A referida matéria foi obtida junto ao seguinte endereço:
4. DA CASSAÇÃO DA SENTENÇA
Pelo exposto, requer que o presente recurso seja conhecido e provido para, reconhecendo como legítima a pretensão da apelante formulada na petição inicial, diga-se, que ela tem direito ao reconhecimento da paternidade em relação ao seu falecido pai biológico, com todos os efeitos legais e jurídicos decorrentes, CASSAR a sentença recorrida e, por consequência, remeter os autos para a comarca de origem para o seu regular prosseguimento, condenando-se os apelados nos ônus sucumbenciais.
Pede deferimento.
Juiz de fora, MG, 22 de agosto de 2024.
Advogado - OAB/MG nº
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